O DESIGN SOCIAL SEGUNDO DESIGNERS

BONOTTO, Elisa, Acadêmica
Desenho Industrial, Habilitação Projeto de Produto, Universidade Federal de Santa Maria, elisabonotto@yahoo.com.br

SENA, Pierson, Acadêmico
Desenho Industrial, Habilitação Projeto de Produto, Universidade Federal de Santa Maria, piersonsena@yahoo.com.br

ROMANO, Fabiane V., Professora
Desenho Industrial, Habilitação Projeto de Produto, Universidade Federal de Santa Maria, faromano@terra.com.br

RESUMO
O presente artigo trata da conscientização de desenhistas industriais com relação ao projeto de produtos socialmente adequados. Trata ainda da interdisciplinaridade como saída para a o atual modelo mercadológico socialmente exclusivo e do pensamento de projetistas de produto sobre a questão do design social, suas justificativas e aplicações.

PALAVRAS-CHAVES
Design Social, Opinião.

INTRODUÇÃO
Instigado por Victor Papanek surge na década de 70 o design social, um contraponto aos projetos que primam o comércio embelezando e sobrecarregando os produtos. Esse novo ramo do design visa o desenvolvimento de produtos que atendam aos mais variados indivíduos e suas necessidades. Além disso, almeja uma conscientização dos profissionais a fim de que trabalhem não só por lucro e sucesso, mas por responsabilidade social e cidadania, preocupando-se com a realidade que nos cerca e transformando sua criatividade em progresso cultural e tecnológico.
O mercado, cada vez mais competitivo, exclui inúmeros consumidores ignorando suas necessidades. Mas há uma grande população carente de produtos que os ajude a cumprir suas tarefas de um modo adequado e o design social surge para suprir tais necessidades. Dessa forma, uma tendência amplamente abrangente, o design social, tem se firmado ao longo dos últimos anos buscando novas tecnologias e soluções para que problemas do dia-a-dia de indivíduos com diferentes dificuldades e necessidades sejam estudados, atendidos e superados. O design deve ser para todos.
Este artigo busca opiniões de desenhistas industriais sobre o design social bem como seu estudo e aplicação como meio de proporcionar bem-estar aos usuários antes de atender somente a tendências mercadológicas.

CONSCIÊNCIA PROFISSIONAL
Embora o tema design social esteja bastante difundido, ainda é pequeno o número de formados em design que se dedicam exclusivamente para esse campo de atuação assim como profissionais que têm em paralelo a sua carreira um envolvimento em projetos sociais.
A consciência profissional não tem sido desenvolvida em centros de ensino de design e, se alguma houve, perdeu-se assim que o mercado de trabalho “engoliu” mais um formando. Designers ligados à causa têm defendido seriamente a inclusão da conscientização no aprendizado, todavia sem atenção merecida. Isso nos mostra que já existe, de fato, um conhecimento do problema por parte de alguns, mas anseia por uma adesão e união que fortaleceria e mudaria muitas realidades.
Encontros e eventos têm colaborado para a difusão dessa consciência entre profissionais. Sobre o evento do ICOGRADA e da ONG Design For the World em dezembro de 2002, Cônico (2004 apud MARTINS, B. M. R, 2005) comenta: “Foi muito interessante perceber que o que motivava todas aquelas pessoas não era somente altruísmo, como a princípio imaginava, e sim, sentir-se integrante de um processo de mudança de paradigmas, sentir-se bem por fazer algo bem e bom”.
Cada profissional de designer precisa expandir seu pensamento para que não só sejam atendidas as necessidades básicas e comuns para a maioria das pessoas. O mercado cada vez mais competitivo tende a induzir o designer ao pensamento restrito para apenas descobrir defeitos em um produto, para fazê-lo completo e que não deixe nenhum detalhe sem atenção. Isso é ótimo, pra maioria das pessoas. Contudo, a alça de um balde pode ser a mais ergonômica, a mais atrativa, a mais bem projetada, mas e uma pessoa que não tem braços? Uma cadeira pode ser extremamente confortável, mas e para um tetraplégico? Ele também vai ter a oportunidade de encontrar no mercado uma cadeira igualmente confortável, igualmente atrativa, mas que atenda às suas necessidades e às das pessoas que passam por dificuldade semelhante?
Definitivamente, o designer tem que perceber o mundo de diferenças no qual vive e tornar isso claro e presente em todos os seus pensamentos, incluindo-os no momento de projetar.
O que os designers socialmente conscientes comentam é que focar um alvo é possível, sem que com isso se perca o direito de escolha do publico para o qual se projeta. Podemos projetar para a maioria teoricamente perfeita durante toda nossa vida, mas não devemos ignorar a imensa quantidade de pessoas que não usufruirão de nossos produtos. Temos que ter, imprescindivelmente, essa consciência social.
E não basta ao desenhista industrial a consciência das diferentes realidades: junto a esse conhecimento é preciso que o profissional se sinta como um agente transformador que é, capaz de incentivar a cultura e desenvolver produtos direcionados a toda sociedade.
Avançando um pouco mais nesse raciocínio, pode-se dizer que os designers educam os consumidores e que educam mesmo quando os induzem a comprar o que querem seus clientes. (MARTINS, B. M. R. 2004).

UNIÃO DE PROFISSIONAIS
O design social além de gerar um grande espírito de desafio, também permite um contato significativo entre profissionais de várias áreas que se unem para desenvolver um projeto. Isso lhes permite sair um pouco dos limites que cabem à sua profissão, adquirir vários conhecimentos, cultura e desenvolvimento criativo como adicionais significativos.
A área de psicologia ambiental tem tentado responder as necessidades ambientais dos vulneráveis. Aqueles que trabalham nessa área usam uma abordagem interdisciplinar para pesquisar e implementar soluções que criam melhores espaços de moradia para populações como: portadores de deficiências psíquicas, sem-teto e idosos. Arquitetos, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais e outros profissionais têm trabalhado juntos para explorar as interseções das necessidades psicológicas das pessoas e as paisagens, comunidades, bairros, habitações e o espaço interior que melhoram o sentimento de prazer, incitação, excitação e relaxamento; e diminuem sentimentos de medo e stress. Um esforço semelhante não tem acontecido em design de produtos. (MARGOLIN; MARGOLIN, 2004, p. 43)

Como podemos notar, os profissionais da área de design seguem ilhados em seus escritórios, sem se preocupar em participar do processo de desenvolvimento social da comunidade que os cerca. Tal esforço poderia ser aplicado em diversas áreas como consultórios médicos, em estabelecimentos de saúde e hospitais, bem como professores e administradores em escolas e universidades. Poderiam formar, inclusive, equipes interdisciplinares para atuar em países em desenvolvimento.
Exemplo da atuação de designers, engenheiros, médicos e dentistas, são as unidades móveis de saúde que visitam comunidades carentes levando até pessoas com dificuldade de acesso a hospitais, clínicas e pronto-atendimentos a possibilidade de auxílio médico e odontológico.
Um bom exemplo da aplicação social do design, na área educacional, é o projeto do TELL (Teacher-aiding Electronic Learning Link) conforme trecho a seguir:
[...] Philips produziu um design experimental para uma unidade de aprendizado. Era coisa de ficção científica se comparada à realidade da maioria das salas de aula. Um grande console integrado em plástico moldado branco com equipamentos de áudio e vídeo que dava acesso à ampla variedade de fontes de informação. O custo dessas unidades era um grande obstáculo à sua adoção, mas a Philips demonstrou que a revisão radical das ferramentas de aprendizado era viável. (JOHN HESKETT, 1998, p. 164).

Outro exemplo de integração profissional unindo pedagogo, fonoaudiólogo, sociólogo e desenhistas industriais é o desenvolvimento de brinquedos para crianças de 5 a 7 anos portadores de deficiência auditiva que obteve sucesso e imediata aplicação em uma escola estadual carente de recursos.
Dessa forma, afirma Martins (2006) que o design é uma atividade multidisciplinar em que o profissional busca auxílio de especialistas e conhecimentos de outras áreas, possibilitando resolver problemas de maneira mais consistente.

OPINIÕES
Em geral as opiniões de desenhistas sobre o design social se complementam e se repetem tendo como base três aspectos que anseiam mudanças: conscientização profissional, mudança de diretrizes de mercado e trabalho interdisciplinar.
Sobre o design como ferramenta de construção social Heleno Almeida escreve:
Isso é design social. É o correto - projetar equipamentos/produtos que possam, digamos, propiciar novas formas alternativas para a obtenção de energia, produtos que ajudem a combater a seca (e ajudem a plantar), que ajudem nas atividades do pequeno produtor.
Enfim produto que até possa salvar sem-tetos do frio das madrugadas em SP, RJ - isso para mim, é design social [...]
Qualquer outra coisa, como assistencialismo, dar esmolas ou simplesmente fazer uma atividade social uma vez por mês - apesar de ser bastante louvável, para mim não é design social, é caridade.
As pessoas não precisam de assistencialismo, precisam de oportunidades, de produtos, de tecnologias que possam fazê-la ter o seu próprio sustendo, ou seja, que elas sintam ter sua própria dignidade e cidadania nas mãos.
E o design é uma das ferramentas para isso. [...] a ausência do projeto de design (e das indústrias) levaram as próprias pessoas a resolverem seus produtos e mecanismos de comunicação que apesar de problemas de design, eram funcionais.
Pensar sobre isso é um dos grandes desafios, ter massa critica e reflexiva sobre o que nos cerca, é estar preparado para a profissão e todas suas facetas - todos os dias. (ALMEIDA, 2006).

Almeida demonstra que já possuímos consciência do poder transformador do design, mas ainda temos muito que aprender e aplicar em nossos projetos.
Sobre a união de profissionais de diversas áreas em torno do design social Pedro Brandão postula:
Não para definir um novo “perfil” ou “modelo” de profissional, mas sim para propor uma nova ética operatória, fazendo convergir os discursos da Responsabilidade e da Convicção, numa prática reflexiva do Design Urbano. É assim que na base do novo quadro de identidade profissional, defendemos a teoria e as práticas da Interdisciplinaridade. (BRANDÃO, 2005, p. 48).

Victor Margolin e Sylvia Margolin escreveram para a revista Design em Foco sobre o modelo social de design e comentam sobre a formação do desenhista industrial:
Estudantes de design social terão de aprender mais sobre as necessidades sociais e de como elas são resolvidas atualmente por profissionais de assistência [...] Eles também necessitam de um conhecimento maior de sociologia, psicologia e políticas públicas. Até onde sabemos, nenhum programa de universidade treina especificamente designers sociais. (MARGOLIN; MARGOLIN, 2004, p. 47).


CONSIDERAÇÕES FINAIS
No campo de design social, por se tratar de uma área pouco explorada, muito temos que fazer e aprender. Poucos são os exemplos de designers que utilizam a responsabilidade social como meio de desenvolver produtos socialmente adequados tendo como algumas características a educação, o conforto e o bem estar do indivíduo e da sociedade. Isso porque a maioria absoluta dos formados em projeto de produto visa apenas o lucro e a satisfação pessoal. As universidades não incluem em seus currículos disciplinas que envolvam os estudantes com projetos sociais ou que discutam políticas de desenvolvimento público. O mercado exige que se projete para o consumo em massa e a mídia envolve o estudante e o profissional da área com o glamour da profissão em detrimento às necessidades básicas do ser humano. Um contato maior do desenhista industrial com a realidade, portanto, é imprescindível. E para finalizar uma questão simples mas primordial no projeto de qualquer produto socialmente adequado: quem é o meu verdadeiro cliente?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1000 extra/ordinary objects. Madrid: Taschen, 2005.
ALMEIDA, Heleno. Design social. Testículos. Maio 2005. Disponível em: Acessado em: 8 ago. 2006, 01:03:42.
BONSIEPE, Gui. Design do material ao digital. Florianópolis: FIESC/IEL, 1997.
BRANDÃO, P. Ética e Profissões no Design Urbano. Convicção, Responsabilidade, e Interdisciplinaridade, Traços de Identidade profissional no Desenho da Cidade. Barcelona 2005. Teses de doutorado da Universidade de Barcelona.
DESIGNER: seu papel social. In: CÔNICO - Informativo do CONE Design (Conselho Nacional de Estudantes de Design). Dez. 2004. Disponível em:
. Acesso em: 8 ago. 2006, 01:45:32.
HESKETT, John. Desenho Industrial. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998.
LUFT, C. P. Mini Dicionário Luft: língua portuguesa. 3. ed. São Paulo: Scipione, 1991.
MARGOLIN, Sylvia; MARGOLIN, Victor. Um “modelo social” de design: questões de prática e pesquisa. Revista design em foco. Bahia, a. 1, v. 1, n. 001, p. 43-48, jul. 2004. Semestral ISSN (versão impressa) 1807-3778. Disponível em:
. Acesso em: 10 ago. 2006, 02:16:42.
MARTINS, B. M. R. Designer: seu papel social. Design Para Todos. Rio de Janeiro, ago. 2005 Disponível em:
. Acesso em: 8 ago. 2006, 01:45:32.
MARTINS, D. R. Design para todos — o design como interface cultural, social e econômica. Design Gráfico. Fev. 2006. Disponível em:
Acesso em: 8 ago. 2006, 01:42:30.
SANTOS, M. C. L. D. Design e responsabilidade social: entrevista exclusiva com Rachel Cooper, por Maria Cecília Loschiavo dos Santos. Revista design em foco. Bahia, a. 2, v. 2, n. 002, p. 79-85, jul. 2005. Semestral ISSN (versão impressa) 1807-3778. Disponível em:
. Acesso em: 10 ago. 2006, 02:24:16.

Postagens mais visitadas deste blog

ÉTICA MODERNA

Curriculum Vitae